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peão

Só existe uma pessoa responsável pelo seu fracasso

“Só existe uma pessoa responsável pelo seu fracasso: você mesmo”, diz o coach no rádio. De manhã cedo, enquanto escovo os dentes, escuto a entrevista. Ele diz que seu diferencial é ser coach quântico. O jornalista que está conduzindo a entrevista comenta que também faz serviço de coach, para quem quer melhorar sua comunicação. Diz que está lançando um e-book. A produtora do programa interrompe avisando que ela também tem um site de cursos online sobre pedras energizantes. Está lançando um módulo 100% grátis e 100% online. O coach quântico tenta falar que está oferecendo um curso presencial na cidade, mas é interrompido pelo anúncio de comercial. Desligo o rádio e vou até a padaria.

A atendente traz café com pão. Diz que o pão é de fermentação natural, o café é do interior de Minas Gerais, cultivado por um senhor chamado Sebastião, colhido com cuidado pelos dezoito irmãos e transportado até os grandes centros de bicicleta, por uma ONG de ciclo-ativistas. Olho a conta: 1.319 reais. Chamo um Uber que agora está mais caro pois posso escolher motoristas que não conversam. Está descrito no app que o motorista não pode conversar com o passageiro.

Assim que entro no carro ele puxa papo. Pergunto se aquele não é o Uber que não fala. Ele responde que é. Eu digo que ele está falando. Ele responde que é só um pouco, que ficar em silêncio é muito chato. Respondo que há controvérsias. Ele me conta que é palestrante. Quer ajudar as pessoas a serem mais produtivas, gerirem melhor o tempo. Ele, por exemplo, faz Uber e ao mesmo tempo entrega gás de cozinha, que leva no porta-malas. Só existe um culpado pelo nosso fracasso: nós mesmos!”, me avisa.

Chego ao trabalho, o porteiro me diz que agora a catraca da firma não tem mais crachá. Reconhecimento facial. Me mostra a câmera, paro na frente, sério. “Precisa sorrir”, ele avisa. “Oi?”, pergunto. “Nesse novo sistema o funcionário precisa sorrir pra liberar a catraca. Disseram que é para os funcionários entrarem na empresa com brilho nos olhos… sangue nos olhos… não lembro bem. Era sangue ou brilho nos olhos. A direção disse que o pessoal tem que vestir a camisa”, me aconselha. Ele me entrega um folder e me convida para assistir sua palestra no próximo sábado. “Será meu segundo TED talk”, me conta empolgado.

Olho para a câmera. Sorrio. A catraca faz um barulhinho e acende uma luz verde. Agradeço ao porteiro. Ele me deseja um ótimo dia de trabalho. E lembra: “não esqueça que só existe uma pessoa responsável pelo seu fracasso!”. Eu sei, eu sei.

Marcos Piangers
Radialista, apresentador, colunista, escritor, repórter

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